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*Por Thiago César Silva, Diretor de marketing na divisão Consumer Electronics da Samsung Brasil

Imagine uma agência vibrante, onde as paredes estão cobertas de gráficos coloridos e planos ambiciosos. Em uma das salas, uma equipe debate fervorosamente: eles sabem que têm uma ideia brilhante, mas também entendem o desafio de vendê-la para um cliente que hesita em investir em algo inovador. Esse é o ponto de partida no mundo do marketing moderno — um campo onde o valor de uma ideia é, frequentemente, subestimado. No coração da indústria de marketing e comunicação, enfrentamos uma resistência enraizada à mudança, tanto de agências quanto de clientes. Esse impasse ocorre principalmente porque muitos clientes lutam para perceber e valorizar o investimento criativo necessário para trazer uma ideia à vida.

Um dos maiores desafios na valorização de ideias criativas é a estruturação de modelos de remuneração que acompanhem a evolução do mercado. Tradicionalmente, modelos como o bônus de volume (BV) foram implementados com a intenção de harmonizar as finanças, mas acabaram por introduzir complexidades. Embora criado para incentivar a fidelidade entre agências e fornecedores de mídia, o BV muitas vezes pode desencadear um foco mais acentuado em volumes, em vez da qualidade ou inovação da campanha. A revisão desses modelos tarda e falha, enquanto soluções verdadeiramente criativas e eficazes não vêm.

A criatividade não brota do vácuo: ela é fruto do trabalho árduo de mentes brilhantes e está cada vez mais claro de que o insight não depende de uma área específica, podendo vir de outras áreas da agência – fenômeno cada vez mais comum, inclusive. Remunerar adequadamente esses talentos é crucial para manter a qualidade e a inovação. A questão se complica quando consideramos que, no cenário atual, oferecer apenas bons salários não é suficiente. As agências têm sido desafiadas a proporcionar ambientes que fomentem o crescimento pessoal e profissional, onde os valores estratégicos são compartilhados e valorizados.

Para transformar os desafios em oportunidades, é essencial que agências e clientes repensem e inovem em suas abordagens de colaboração. Uma solução promissora é a adoção de modelos ágeis de trabalho, inspirados pelo desenvolvimento de software, que promovem ciclos rápidos de feedback e adaptação contínua às necessidades do mercado. Isso não apenas acelera a produção de ideias, mas também fortalece a relação cliente-agência através de uma colaboração mais estreita e transparente. Outra abordagem é o investimento em tecnologia de dados e inteligência artificial para melhor entender e prever comportamentos de consumidores. Agências que utilizam análises avançadas podem oferecer ideias não apenas criativas, mas extremamente alinhadas às expectativas e desejos dos consumidores.

Por exemplo, você certamente deve se lembrar da campanha “Next Rembrandt” que usou análise de dados e impressão 3D para criar uma obra de arte baseada no estilo do artista holandês, certo? O projeto está quase virando sua primeira década e segue brilhante ao demonstrar como a tecnologia pode ser usada para fundir criatividade e inovação. A valorização das ideias também passa pela forma como são apresentadas e negociadas. A década passada foi relevante em projetos que implementaram práticas de storytelling envolvente, como na polêmica campanha da Nike, “Dream Crazy”, onde a narrativa não apenas vendia um produto, mas evocava emoções e promovia valores, mostrando que o poder da história continua sendo um dos pilares da comunicação eficaz.

Para além das campanhas de alto impacto, um foco renovado em iniciativas de impacto social também ajudou a revitalizar a percepção do valor das ideias. O case de Dove Sketches da Unilever não só elevou a máxima potência o legado do “Real Beauty” ao desafiar estereótipos da autoestima feminina, mas também provou que as ideias que provocam reflexão e mudança são extremamente valiosas. Esse case completa onze anos e todas as vezes que assisto continuo a me emocionar.

As mudanças pelas quais o nosso mercado está passando destacam a necessidade urgente de revermos a forma como valorizamos e remuneramos as ideias no marketing. Ao reconhecer o verdadeiro valor das ideias criativas, as agências e clientes podem superar o desafio de modelos antigos que frequentemente desviam o foco da qualidade para a quantidade. Para avançar, é crucial que as agências adotem modelos de remuneração que reflitam o impacto estratégico e a inovação trazidos pelas campanhas, garantindo uma compensação justa que incentive a criatividade contínua e a inovação disruptiva. É necessário que as agências entendam do negócio de seu cliente, que tenha os objetivos de venda na ponta da língua, que entendam de varejo, chão de loja e principalmente de gente.

A adoção de tecnologias avançadas, da AI e de metodologias ágeis, aliadas a uma nova cultura de transparência e colaboração entre agências e clientes é, sim, muito interessante. No entanto, o que ainda faz virar o jogo dos negócios é o básico, e ele sempre começa a partir de uma boa ideia. Caro colega da indústria, não deixe de refletir como suas práticas podem evoluir para não apenas responder às mudanças do mercado, para estar “updated” do novo buzz-word. O seu cliente não está preocupado com isso, e participar ativamente da redefinição dos padrões que governam nossa indústria é essencial para que ela volte a crescer. É através dessa mudança coletiva que podemos garantir um futuro mais próspero para o marketing, onde ideias verdadeiramente inovadoras não apenas floresçam, mas sejam a norma.

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